Nunca como nesta campanha a rede de micropoderes minou tanto a confiança pública no macropoder representativo. Chegou a altura de um efectivo levantamento global desta fragmentação em grupos de interesse e grupos de pressão. Basta cruzarmos as biografias de “pantouflage” de todos os membros das comissões de honra do presidencialismo com a genealogia das consultadorias da administração central e local. As chamadas forças vivas são bem mais do que os velhos patos bravos, os “boys” ou os comandantes do poder banco-burocrático. Tudo se fragmentou e disseminou e manda quem os federa em apoios de consultadoria, trocando projectos em cumplicidades interpessoais, onde a classe partidocrática não passa, muitas vezes, do mero inocente útil. Ontem, depois de me cansar com a últimas imagens da campanha autárquica de Viana do Castelo e da ilha da Madeira, dei um pulo de zapping a essa tertúlia de candidatos a regentes e a assistentes da cadeira de Direito Constitucional VIII, a que dão o nome de Comissão parlamentar de revisão constitucional… Os ilustres representantes da partidocracia que se julga nação, da direita à esquerda, palavravam sobre um discreto sexo do anjo: se a soberania era do povo ou da república. Mas tudo o vento levou, não nos Emiratos ou no Euro, quando um ortodoxo da Revolução de Outubro de 1917, veio insinuar que alguns deviam estar ao serviço do czar, não respeitando o Cinco de Outubro… Toda essa burguesia para lamentar, meteu o rabinho entre os pernas da retórica, lambuzou as feridas do politicamente correcto e lá passou à página seguinte d e umas actas que, amanhã, ninguém lerá, a não ser os pobres assistentes convidados destes convidados por cumprir, no 45º curso de direito que eles não vão abrir, a não ser que mais cinco jubilados de noventa anos sejam chequizados… Que saudades eu tenho d’os lusíadas que escreveram as Actas das Cortes de Lamego, profeciando a Mensagem! Agora, só manobras dilatórias, processuais, o magistério activo de uma banalidade, onde, em vez do “zapping”, devia haver “reset”. Quando fizerem “reset” no domingo, façam, antes, “backup”. Pode ser no Magalhães do sobrinho. É tudo uma questão de adequada execução. Depois, podem continuar a dar longos passeios ao domingo. Mas cuidado com o súbito arrefecimento que a meteorologia vem anunciando Constituição não devia ser manta de retalhos daquilo a que chamam código, como se o contexto do articulado pudesse volver-se em texto e o texto não devesse ser palavra posta em discurso, naquilo a que chamaram “logos”, isto é, a razão complexa, a razão não coxa… Esta renda de bilros a que chamam juridicismo, feita da lenga lenga de muitos fios de tripa, atando a chouriçada dos restos de ontem, nem sequer é direito e, muito menos, sonho do que devia ser um pedaço de poesia social, para engenheiros de sonho… A crise da chamada administração da justiça tanto tem a ver com a produção de vírgulas vigente como com a falta de adequada escola, porque há muitos que escapam ao escrutínio quando apenas recebem direitos de autor sem autoridade, por livros que apenas são sumários e por sumários a que chamam conferências… Nesta permanente concertação dos beis de Tunis em que degeneramos, os situacionismos apodrecidos raramente caem por si mesmos, mesmo depois de quedas na banheira…Só no minuto seguinte ao derrube das alimárias é que a multidão se congrega para saudar o vencedor… Foi assim no 5 de Outubro com as gloriosas jornadas dos adesivos; foi assim com o 28 de Maio e os seus viracasacas; tem sido assim agora, com antigos governantes do antigo regime, em missionologia honorífica da habitual traição bem medalhada… Julgo que só em 9 de Setembro de 1836 é que não foram as armas que certificaram a nossa coragem para a mudança. Nesse dia, a revolta veio de dentro, com deputados oposicionistas fazendo procissão de vivório e foguetório até ao paço da rainha… O último golpe de Estado sem efusão de sangue ocorreu em 25 de Abril…de 1975, onde, pela via eleitoral, se derrotou a própria tropa dominante. Mesmo assim ainda houve verão quente e só em 25 de Novembro seguinte, pela força, é que o contragolpe derrotou o golpe e se cumpriu a urna. Quando um ben ali se instala aqui, ele consegue quase sempre influenciar ou controlar o sistema de produção de escolhas ditas populares da democracia formal. Mesmo quando admite o vira o disco para tocar o mesmo, conforme a tradição do rotativismo devorista.
Daily Archives: 20 de Janeiro de 2011
Onde vencer é ser vencido
O melhor desta campanha eleitoral esteve na circunstância de nos podermos relembrar do mais aliciante da democracia: o podermos fazer um golpe de Estado sem efusão de sangue, através do bom uso do poder de sufrágio. Mas, como antes de qualquer mudança (“perestroika”) tem de haver transparência (“glasnot”), eis que muitos não souberam lutar adequadamente contra a corrupção e o indiferentismo que continuam a sitiar a cidadania, impedindo que a honra volte a casar-se com a inteligência, para que possamos viver como pensamos. E assim nos enredámos em sucessivas campanhas negras onde quem atirou pedradas aos telhados de vidro do vizinho acabou com os seus estilhaçados. Pior do que isso: em vez da defunta luta de classes, tiraram do caixote de lixo da história as velhas técnicas inquisitoriais, dos moscas e do bufos, em nome daquele maquiavelismo que admite todos os meios para que se alcancem quaisquer bons fins, onde tenha razão quem vence. Talvez tal literatura de justificação não tenha reparado que quem parece ter razão, no curto prazo, mesmo que se sirva de uma má moral, pode acabar por também a perder no médio, assim se confirmando que tal expediente também é uma péssima política. Mesmo que, longo prazo, estejamos todos mortos. Daí que vencer também possa equivaler ao ser vencido.