Jan 20

Farpas 20 de Janeiro de 2012

Cada geração é sempre medida e marcada pelos bonzos que eleva à categoria de inspiradores e cónegos para os sermões das encomendas. A banda na praça toca sempre o mesmo e a romaria está garantida, enquanto houver farturas e carrinhos de choques. Até o ti Marcial, da aparelhagem sonora, já ligou os altifalantes e o rancho de logo tem chanfana com batatinhas mui descascadas, antes de um pedaço de arrufadas. Viva quem manda, mesmo que aquilo que pareça já o não seja, nestas viagens à volta do meu quarto, em “promenade solitaire”.

Lembro-me bem de uma das longas conversas que tive com Mário Sottomayor Cardia, quando ele me explicava a razão que o levou a votar contra a criação de secretas nesta democracia. Estava vacinado. E devia ter sido mais ouvido.

Ouvi qualquer coisa, de nosso primeiro, sobre essa de o critério partidário não ser utilizado para as nomeações de não sei quê. Confirmo que o nariz do Pinóquio continua a crescer em São Bento. Deve ser doença de pavões que se transmite ao Estado em figura humana.

Qualquer um dos “amigos” que eu tenho aqui no Facebook corre sérios riscos. Um dos que aqui vem com tal qualidade acabou de proclamar noutra rede que eu sou “unha com carne” com duas figuras mediáticas, só porque uma delas costuma comentar os meus postais. A outra nunca nada disse. Não a conheço pessoalmente, nem ao ilustre denunciante da trama, hidra, conluio e conspiração. Tem todo o direito de atacar as ideias que defendo. Até pode vir aqui, onde será benvindo. Desconfio, contudo, que sejamos todos poluídos pela tradicional doença dos moscas, formigas e bufos, orgulhosos do servicinho.

António Mega Ferreira é muito bom. Vasco Graça Moura é muito bom. Ambos sempre foram civicamente empenhados. Quem me dera que todas as sucessões nomeativas fossem assim.

Acabo de elaborar pequeno comentário, a pedido do DN, sobre os dramas das pensões de aposentação das classes remediadas, expressos pelo senhor Presidente, com um vivo testemunho pessoal. Será publicado amanhã. Sem qualquer hipocrisia.

Tenham esperança todos os que têm o patrão Estado. No artigo 13º do Decreto-Lei n.º 11/2012 de hoje, sobre gabinetes ministeriais, pode ler-se:
“7 — Os membros dos gabinetes têm direito a subsídio
de férias, de Natal e a subsídio de refeição, bem como a
ajudas de custo e de transporte, nos termos da lei.”

“O povo, o povo soberano, que naquele dia tinha nas mãos o
ceptro da sua soberania, não é menos dócil do que os irracionais que recordamos. O dia que devia mostrar-se orgulhoso, é quando
mais se humilhava; quando podia dispor dos destinos dos seus senhores, é quando mais vergava a cabeça sob o peso que estes lhe assentavam. Não é semelhante esta força inconsciente do povo à do boi robusto e válido, que uma criança dirige e subjuga? Forte como ele, como ele dócil, como ele laborioso, como ele útil, não vê que a mesma força que emprega no trabalho lhe poderia servir para repelir o jugo. Ou, quando vê, é quando o desespero e a fúria, o cegam e impelem a revoltas tremendas.” (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais)

 

Jan 20

O BONUS PATERFAMILIAS

O BONUS PATERFAMILIAS

 

Por José Adelino Maltez

 

No passado dia 14, o nosso Presidente emitiu a seguinte mensagem no Facebook: “São muitos os funcionários ou agentes do Estado que se têm dirigido à Presidência da República, expondo as suas incompreensões e incertezas. Apesar de todas as dificuldades, em relação a algumas das quais já tive ocasião de me expressar publicamente, estou certo de que todos têm plena consciência da importância das suas funções de serviço público, que devem ser dignificadas e prestigiadas.” Seis dias depois, numa intervenção pública, decidiu encabeçar a revolta social do bom povo português.

Tudo visto e ponderado, incluindo a lamentação que, na campanha eleitoral fez há cerca de um ano, sobre os 800 euros por mês da pensão da nossa primeira-dama, não posso alinhar com os críticos que imediatamente o satirizaram de forma elitista. O Presidente é previsível demais para cometer erros de comunicação. Apenas exprimiu a sede de justiça do homem comum, tanto contra as chamadas reformas douradas de certos gerontes, como contra a campanha de desinstitucionalização que alguns têm feito contra os funcionários públicos, os empregados da banca, os professores e os investigadores científicos.

Também reconheceu que a soma de 1300 mais 800 euros não dá para um casal da classe remediada pagar as respectivas despesas, apesar de tanto ter poupado e investido. E assim se patenteou, de forma tão descamisadamente superior, o erro troikista, subscrito pelo PS, PSD e CDS.

Não acredito que o Presidente tenha padecido de hipocrisia, dado que, sendo sua suprema especialidade a ligação directa ao eleitorado, apenas quis encabeçar aquilo que vai ser a vaga de fundo de uma geometria social que a aritmética da partidocracia e do poder bancoburocrático parecem não querer compreender. O detentor do Palácio de Belém sabe, sem poder absoluto, mas com ciência certa, que um seu antecessor, em 1917, assistiu, a partir de Maio a uma mistura de revoltas da fome e de aparições do transcendente, até à sua terráquea deposição em Dezembro, depois de um sangrento golpe de Estado. Em 2012 não haverá guerra, fome e peste mas a injustiça continua para o “bonus paterfamilias”.