Eu não nasci no tempo do Salazar, nem nasci na altura em que o comunismo era um risco real para a democracia. Nasci e cresci depois disso e não sei o que isso é ou foi, portanto não posso falar disso.
O que eu sei é que economicamente (em termos de crescimento) a década de 90 foi pior que a de 80, e a década de 2000 foi pior que a 90. E excepto para aqueles que estão filiados ou estiveram nos governos, câmaras municipais ou empresas públicas, as coisas não estão melhor, nem vão ficar melhores.
Não quero saber se o PS é melhor que o PSD (ou os seus apêndices), nem vice-versa, tal como não queria ter que escolher entre morrer afogado ou queimado. Também não quero saber de demagogos que são doutorados em economia ou que leram o Capital na juventude, mas esquecem-se de dizer que vivemos num mundo globalizado e competitivo à escala mundial, e que o capital , esse, escorre mais depressa dum país do que areia de uma mão aberta quando lhe apetece.
Não quero saber se um bando de militares conquistou a democracia em 1974 e decidiu chamar-lhe a revolução do povo, se hoje, em 2009, vivemos numa cleptocracia, onde o socialismo do estado é na teoria tirar aos ricos para dar aos pobres, mas na prática é tirar aos falsos ricos para dar uma pequena parte aos pobres, outra parte aos pouco produtivos e uma grande parte aos muito ricos.
Porque distribuir riqueza na sua maioria por outros critérios que não o mérito só faz este país mais pobre e miserável, e é usado como a desculpa perfeita para continuarmos a viver numa sociedade onde uns vivem à custa dos outros, e por detrás uns ainda enriquecem à custa de outros.
Não me acusem de ser egoísta e não querer saber dos mais pobres e desprotegidos. Por me preocupar com eles é que me revolta a farsa deste socialismo que promete que todos serão doutores mas depois só entregam um mercado de trabalho reduzido e precário, que é resultado desta economia.
Revolto-me porque sei que muitas empresas que dão emprego a muito gente, poderiam dar muito mais (empregos e rendimentos) se não tivessem que dar tanto a um estado que não dá nada de jeito em troca.
Revolto-me também com esses demagogos da esquerda que acham que os ordenados podem subir por decreto-lei, sem considerarem que, numa economia global, o papel do estado na definição da escala em que o mérito (monetário) é retribuído às pessoas é irrelevante, quando já nem o valor da nossa moeda controlamos.
Revolto-me porque esses demagogos estupidificam a discussão que não têm nada a ver com comunismo e capitalismo e proletariado. Que esquecem-se de dizer no fim que o estado social é um luxo de economias produtivas, e podem ser também o fim das mesmas.
Mas o que me revolta mais é as pessoas acharem que não existe solução, que sempre foi assim e sempre será, que o PS e o PSD vão sempre mandar nisto e quando aparecer um novo vai ser igual.
Revolto-me quando se comparam as decisões políticas (conquistas democráticas) de outros países com as nossas e o que eles fizeram de melhor é minimizado ou relativizado e desculpado com tudo (Salazar, povo português, o nosso tamanho geográfico, económico ou político), tudo menos com o carácter e decisões dos políticos que tivemos (porque elegemos). Assim, vivem eles em paz de espírito, pensando que não fazer nada é justificável, porque não há nada que se possa fazer para mudar.
Revolto-me quando se fala disto e se ouve coisas como “não há nada a fazer”, “mesmo que se faça alguma coisa vai sempre ser a mesma coisa”, “ele é corrupto mais ao menos fez mais que o anterior”. Mas quem disse isso?
Não, eu não sei qual é o caminho, nem sei qual é a solução, muito menos as melhores soluções, e ainda sei menos no curto prazo. Só sei para onde quero ir como país e cidadão e sei que esta não é a direcção nem o percurso.
Às vezes, penso, o melhor é sair deste país e nunca mais voltar. Já pensei assim, e penso na ideia muitas vezes, principalmente quando penso o quão rápido e há quanto tempo caminhamos para um abismo. Mas não quero, nasci neste país e não sou culpado de nada. Para além disso não sou nem fui escravo de ninguém. Não tenho e não quero ser escravo e servir nobres para o resto da vida, nem quero que os meus descendentes o sejam enquanto todos empobrecem e uma minoria enriquece.
Também não desejo fazer parte dessa vida fácil, dessa nobreza que só enriquece à custa dos mesmos sem mérito nem vergonha na cara. Nem me metem medo, não têm Pide nem militares armados prontos para me matarem. Protegem-se apenas com a nossa passividade e ignorância, e ainda precisam de nós para votar neles e para contribuir para o orçamento. Ter medo para quê e de quem e porquê?
E estou farto de pertencer à minoria de pessoas que já está farta disto, deste vira-o-disco-e-toca-o-mesmo e que sabe quem não tem de ser assim e não é assim em grande parte do mundo
(…)
Não entendo a maioria das pessoas que paga mais impostos e taxas e têm menos emprego, menos serviços, menos educação, menos saúde e menos segurança e mesmo assim dá maiorias absolutas à esquerda e à direita e aqueles que nos governam há 30 anos de uma maneira cada vez pior
(…)
Mas não quero partir porque tenho esperança que a caneta seja mais forte que a espada, e que o português possa perceber que decidindo juntos e justamente o nosso futuro somos mais felizes, ricos e inteligentes.
PS: O autor é o tipo de azul na fotografia que é pública. É o primeiro texto político que li dele. Assim é que é desconstruir campanhas e viver democracia. Não faço ideia onde ele vai votar, porque já votou, mesmo que não vá votar. Como escreveu Camus, no ano em que nasceu o pai deste cidadão, cujo texto somos nós, um homem revoltado é um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é, assim, um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento…