Set 21

A lucidez de ser ingénuo

A lucidez de ser ingénuo

Por José Adelino Maltez

Cavaco Silva não é Deus nem Nixon. Pode errar e deve levantar-se, para poder continuar a ser o guardião da Constituição. E no palácio da república em figura humana, vale a pena termos bons exemplos. Mas a procissão ainda não saiu do Pátio dos Bichos. A liberdade de imprensa é, de facto, um bem superior ao respeitinho. E a liberdade de expressão de pensamento, uma necessidade, para podermos denunciar publicamente os erros dos chefes do estadão. As minas e armadilhas fragmentaram-se todas, em sucessivas desfragmentações e importa ter cuidado com as campanhas negras: as vidraças são de todos e todas podem ser quebradas pelo efeito boomerang. Aguardemos o estádio superior de luta de uma campanha que já ultrapassou o nível do belo interregno d’os Gatos, aliás bem menos fedorentos que certas teorias da conspiração e que muitos espiões em autogestão, esses ocultistas que contribuíram para esta remacaízação serôdia da democracia. Porque importa seguir o conselho presidencial, sobre não sermos ingénuos, sobretudo, neste tempo de homens tão lúcidos, onde é imperioso termos a lucidez de continuarmos ingénuos. Julgo que deve terminar o ciclo dos familiares, moscas e bufos que querem manter o emprego de caça-fascistas, caça-comunas, caça-pedreiros e caça-jesuítas, esses resíduos sólidos de extrema-esquerda e extrema-direita que nos continuam a poluir!

 

 

Set 21

Retalhos da vida de fim de semana de um eleitor que ainda não sabe onde vai votar

1

Dizem-me que me dizem que alguém disse aquilo que não convinha, a quem queria que eu dissesse o que eles queriam que eu dissesse. Desprezo bufos. Com eles no poder já tinha ardido há muito. Digo, disse e direi, para quem quis, quer ou há-de querer ouvir. O que penso.

2
Vou seguir o conselho presidencial, sobre não ser ingénuo. Infelizmente, neste tempo de homens e presidentes tão lúcidos, eu sou dos que prefere a lucidez de continuar ingénuo, notando como a geração da imaginação ao poder caiu nas mais rascas teias da antiquíssima teoria da conspiração, com caceteiros intelectuais à mistura e espiões em autogestão…

3
Há um velho aforismo que tudo resume: Nec Proditur, Nec Proditor, Innocens Ferens (Nem o traidor nem o traído se presume inocente)…

4
Está um excelente dia de sol. Vou passear à beira do Tejo, diante do Palácio de Belém, vou caminhar em direcção à barra e olhar a Torre que está à esquerda, para, em silêncio, mandar bugiar os familiares, moscas e bufos que querem manter o emprego de caça-fascistas, caça-comunas, caça-pedreiros e caça-jesuítas, esses resíduos sólidos de extrema-esquerda e extrema-direita que nos continuam a poluir!

5
Lá volto à casinha, depois de ler o Expresso. Pouco me interessa que os altos dirigentes do Bloco subscrevam na prática o capitalismo accionista e obrigacionista. As sondagens já os elevam a quase-ministros, de acordo com a informadíssima bandeira daeurodeputada Ana Gomes que, tão garbosamente, enterra a estratégia do partido que lhe dá causa. Luís Amado que se cuide..

6
Cavaco e Sócrates podem colocar no respectivo balanço político esta via original de transformarem o Bloco de Esquerda naquilo que outrora foi o partido eanista. Sempre podem dizer que assim evitaram a via berlusconiana do pós-fascismo, ou a criação de uma qualquer frente lepenista. Lerei com atenção as análises dos persistentes intelectuais da esquerda endireitada que deram pensamento ao cavaquismo, com e sem Cavaco.

7
O que é a social-democracia deste nosso pensamento dominante? “Materialismo do caracol (flácido, vagaroso, escondido, mostrando-se apenas ao Sol e com duas antenas para evitar os ‘maus’ terrenos ou não perder o ‘contacto’)”. Francisco Lucas Pires, “Uma Constituição para Portugal”, Coimbra, 1975, p. 12.

8
Gostei imenso daquelas cenas de ontem da RTP Memória, no programa do Museu da Democracia que ontem invadiu Coimbra. Alegre em verso épico de filho pródigo. Marcelo a ler papelinho escrito. Alegre podia ter ido ao comício de Manela e Marcelo, ao de Sócrates, dizendo para todos votarmos apenas no situacionismo. Mas a coisa está felizmente preta para o mais do mesmo, com Louçã, Jerónimo e Portas a resistirem

9
O sol continua a brilhar. Assisto da varanda à liturgia belenense do render da guarda. A GNR continua garbosa, com homens e mulheres, controlando a charanga, montando os cavalos e orientando os cães. A GNR passa, outros cães ladram, outras cavalgaduras andam aos coices, estes soldados continuam alinhados e firmes. Apeteceu-me içar a bandeira azul e branca para coroar privadamente a bela cerimónia.

10
A GNR já regressou ao quartel. Noutras gamelas da Ajuda, alguns donos do poder arreganham a dentuça. Mas ela não passa de dentadura postiça e estamos à beira de a deitar barra fora. Basta que não passemos novo cheque em branco aos situacionismos. A próxima encruzilhada pode ser estimulante se reforçarmos o pluralismo e ameaçarmos os donos do poder. Devagar, devagarinho, a música pode começar a ser outra!

PS: No canto superior direito da foto, ainda se vê a janela do quarto donde vos estou escrevendo. Não emito as fotos que tirei a membros da casa civil presidencial neste fim de semana. Um deles estava sem gravata, serenamente sentado na esplanada da esquina. Julgo que era ofender o “zen” privado de uma figura pública.