A pior coisa de Manela são os maneleiros, entre inquisidores, pretos, brancos, cor-de-rosa, ex-ministros, candipatos e aristocretinos, todas essa ganga dos bate-palmas que estas mudanças sem radicada infra-estrutura fazem vir ao de cima na máquina da laranja, em tempo de mudança de líder. A melhor coisa de Manela é a própria Manela, que é o exacto contrário do que lhe aconselham que pareça. Como ontem se demontrou, no “esmiuçado” exame a que foi sujeita e onde brilhou, na solidão da respectiva personalidade. Parabéns, senhora dra. Mas, deixe-me acrescentar: não é por ter havido essa primavera que me esqueço de quem escolheu para transportar, ou das anteriores “gaffes” que os laranjas nos revelaram. Mas gosto de ser justo e não costumo responder como alguns dos seus piores maneleiros, que agitam por aí as cargas negativas do ódio e dos ataques pessoais, típicos dos bufos, dos caceteiros verbais, na velha tradição do manual dos inquisidores.
Mais lhe digo que saiba interpretar as sondagens que vão chegando, porque se elas conseguem captar a sociologia eleitoral em períodos que repetem estabilidades de escolhas, não atingem aquilo que só a intuição dos grandes políticos capta: as pulsões do inconsciente colectivo. Elas precisam de sociologia, mas também de enraizada cultura política e de mui científica psicologia política. Porque, ainda hoje, cada eleitor tem dentro de si um Sócrates e uma Manela, ou, melhor dizendo, os fantasmas e os preconceitos que a imagem de cada um transporta, ou daquilo que cada um diz do outro. Num pólo, a pulsão para o avançar. No outro, para a regressão.
Não! Não é a esquerda contra a direita, mas o paradoxo da procura de um certo equilíbrio na luta de contrários, aproximando-se do próprio sistema de forças do actual sistema político, onde nunca pusemos todos os ovos no mesmo cesto, permitindo que o sufrágio universal gerasse concorrência de maiorias presidenciais e de maiorias parlamentares, com sinais diversos, mais complementares do que inimigos, onde convergências e divergências geraram emergências de separação e fusão de poderes.
Eanes foi eleito depois de uma maioria da AD e mesmo após o desastre de Camarate. O primeiro cavaquistão gerou o presidente Soares. E o novo socialismo permitiu a ascensão de Cavaco a Belém. O povo sempre foi mais sábio do que os analistas, comentadores, politólogos e políticos de interregno. Até porque o povo que foi para a rua no dia 1 de Maio de 1974 era o mesmo que, semanas antes, aplaudiu Marcello Caetano, espontaneamente, no estádio do Sporting. Porque o português que ganha eleições é como Jano, com uma cara na regressão do avô tirano e outra no avançar. Só é grande político o que consegue dialogar directamente com esse inconsciente colectivo.
Há pulsões libertacionistas que já se chamaram Sá Carneiro e Soares. Pulsões autoritárias de desejo de um animal feroz que nos deram Cavaco e Sócrates. E há pressões de procura do delicadinho e do gajo porreiro que fizeram Guterres ou o Soares das bochechas e do diálogo. E todos podem ler o Joaquim Pedro de Oliveira Martins que, logo em 1878, descrevia assim o rotativismo: “o governo da liberdade ficou sendo tirania das maiorias, máquina movida por ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária, aclamando a todos os que movem a manivela”. É a máquina da sua Madeira, Dra. Manela, é a máquina contra a qual se insurge no contenente, mas com a memória daquela máquina do Estado laranja do cavaquistão, contra a qual um presidente da república, Mário Soares, pediu direito à indignação contra a ditadura da maioria.