Set 07

Depoimento ao Expresso

Expresso

 

Segunda-feira, 7 de Setembro de 2009

 

O politólogo José Adelino Maltez analisa estas variações de ‘camisola’ sem complacência: “Há conversões como as de Saulo na estrada de Damasco. Tipo pudim instantâneo. Todos os predadores gostam de elevar traidores à categoria de homens de sucesso. Onde tem razão quem vence”, escrevia no seu blogue a 28 de Julho último. Ao Expresso, afirma mesmo estarmos a viver “um momento de decadência”, comparável aos “monárquicos que correram todos para os braços da República, aquilo a que chamaram os adesivos”, ou “aos republicanos que se entregaram a Salazar, os chamados ‘viracasacas’, para não falarmos de ministros do nosso antigo regime que viraram professores de democracia, voltando um deles a ser ministro por duas vezes. São os normais anormais dos chamados homens de sucesso que preferem torcer a quebrar”.

“Sócrates veio do PSD. Durão Barroso do MRPP. Paulo Portas também do PSD. Miguel Portas do PCP. Só para o PCP é que parecem não ir muitos. No salazaCandidato independente pelo PSD à Câmara Municipal de Santarém, partido pelo qual já tinha sido eleito em 2005, anunciou a sua indisponibilidade para votar em Manuela Ferreira Leite nas legislativas e admitiu mesmo poder votar em José Sócrates (PS) a 27 de Setembro Entregou o cartão de militante do CDS em 2007 e apoiou a candidatura de António Costa à Câmara Municipal de Lisboa nas intercalares de Julho desse ano. Sub-secretária de Estado de Pedro Santana Lopes entre 1992 e 1993, reconfirmou este Maio a sua preferência pelo candidato do PS na disputa pela capital. Apesar disso, integra as listas do PSD à Assembleia da República O escritor, histórico militante do PCP, não se deixa tolher pela disciplina partidária. Gorados os esforços, em que se envolveu directamente, para a reedição de uma ampla aliança à esquerda em Lisboa, acabou a dar o seu apoio à recandidatura de António Costa, preterindo o candidato do Partido, Ruben de Carvalho rismo, até foram buscar um antigo secretário-geral do PCP (Carlos Rates) e a República transformou em senador afonsista um antigo chefe de governo da monarquia (Ferreira do Amaral). Estes bailados até estão de acordo com a flutuação das famílias dominantes. Nalgumas há um avô ministro da monarquia, um pai, da República, e um neto, governante de Salazar (caso da família de Emídio, Ernesto e André Navarro)”, enumera o professor de Ciência Política que, cáustico, conclui: “De geração a geração, muitas castas desta sociedade de corte vão variando da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, desde que se coloquem como rolhas na verdadeira onda do poder”.

Questionado sobre se faz parte da normalidade política mudar de ideias, Adelino Maltês ainda ensaia uma pouco convicta atenuante: “Cada um é sempre o seu ‘eu’ perante as ‘circunstâncias’ e mudar é próprio de estar vivo… mas utilizar esta literatura como justificação para a falta de autenticidade tende a gastar-se pelo uso e a prostituir-se pelo abuso”. Sobre o caso concreto de Moita Flores, que, sendo candidato autárquico pelo PSD anunciou que “talvez” vote Sócrates nas legislativas, o politólogo justifica-lhe o comportamento, utilizando uma boa dose de sarcasmo: “Ele pode dizer, a nível autárquico, qualquer coisa parecida com o que disse José Luciano de Castro, o chefe dos progressistas no rotativismo: o meu Partido não é que me leva ao Poder, sou eu que levo o meu Partido ao Poder”.

Set 07

Os bastiões inamovíveis do bom governo…

A Convençaõ do PS, ontem, assumiu ritmo esotérico, denunciando a heresia maneleira, porque a mesma usurparia o título divino quando diz “Eu sou a Verdade”. E, ao milenarismo, responderam com o serem avançados, naõ sei se mentais. Uns estão na Utopia (do Maio 68), outros no Milénio. Uns querem a planificação dos iluminados, outros, a tempestade que nos afastará dos pecados. Uns com nostalgia da Mãe, outros, com saudades do Pai…

Por tanta escatologia é que a líder do PSD se enreda em coisas como as que foi dizer ao “bastião inamovível” do “bom governo PSD”, a Madeira, onde não haveria asfixia democrática, dada a existência de jornais da oposição. Por outras palavras, admite a ditadura das maiorias, porque tudo mede com o voto que tudo ordena. Eu pensava que, na democracia, interessava menos a resposta ao quem manda e mais ao como se controla o poder dos que mandam. Mas compreendo, a principal líder da oposição estava a querer mandar uma de subliminar para a questão da M. M. Guedes, coisa de que discordo, porque o Jornal Nacional da TVI de sexta não era propriamente a voz da oposição…

A hipocrisia inquisitorial ainda manda que ninguém manifeste sinais exteriores das suas convicções íntimas. Porque nunca extirpámos a raiz dessa servidão voluntária, mantendo a fortaleza do Rossio mesmo depois dos decretos estaduais que extinguiram a polícia do pensamento. Porque permaneceu o sub-sistema de medo dentro de cada um, venceram os adesivos e os viracasacas…

Depois de despotismos iluminados de curta duração, sucedem-se quase sempre viradeiras de provisórios definitivos, como foi o salazarismo, onde há sempre pinas maniques e preconceitos de ordem que, através do neofeudalismo da anarquia ordenada, permitem a continuidade dos familiares, dos moscas, dos formigas e dos bufos. Infelizmente ainda somos pós-inquisitoriais, pós-autoritários e pós-totalitários. Temos medo!