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Esta incerteza, estas sucessivas fintas à Eusébio nos últimos dias de campanha são o mais excitante de uma democracia que já está fora do controlo dos “agenda setters”. O que as sondagens acabadinhas de fazer, ou ainda em curso, vão fotografar estaticamente, eis o grande abalo. Eu só sei que nada sei, sou indeciso.
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Até ao lavar dos cestos, ainda é vindima, mesmo depois de se colherem os cachos. E depois ainda há que espremer. Que nos espremer.
3
PS em sondagem passou o número mítico dos 40%. Sócrates sobe. Portas salta. O resto, o previsível. O cavaquismo ensarilhado. O cavaquismo sem Cavaco preso nas teias dos propagandistas maneleiros.
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Parece que o modelo delorsiano de dois terços de remediadinhos que vivem melhor, que não sentiram menos dinheiro na carteira, considera que isso do endividamento é discurso de Medina Carreira. Até a direita prefere o voluntarismo estético de Portas. Porque o eixo da decisão é a disputa entre o PS e o Bloco. O povo é aquele que temos e é este quem mais ordena.
5
As sondagens são fotografias do passado. O povo em voto pode ser projecção cinematográfica, a não sei quantas dimensões. E a intuição dos grandes políticos é hierarquicamente superior às análises de “politólogos”, como eu, e dos sondageiros, como eles próprios reconhecem. Os políticos podem e devem ter o lume da profecia, se tiverem saudades de futuro.
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Democracia não é sondajocracia. Ou pelo menos, não deve ser. A sondagem mostra a vontade de todos conjugada no pretérito. A democracia é a vontade geral. Quando cada um decide como se fosse a própria república, abdicando do respectivo interesse. Rousseau o disse, Kant o teorizou, pelo imperativo categórico. António Sérgio o recordou. Parece que muitos nunca o compreenderam.
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Dreyfus foi injustamente condenado num determinado dia. Só três anos depois é que Zola conseguiu começar a virar a opinião pública, pondo a consciência humana acima do respeitinho por um Estado que se portou mal. Dreyfus continua a ser aqui e agora.
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Dreyfus é quando um homem quiser. Qando quiser resistir, em nome da consciência humana contra o aparelhismo de Estado, quando este pretende assumir o monopólio do patriotismo e inventa bodes expiatórios. Mesmo quando volta Pilatos e fingindo a justiça daquele Salomão que cortou a criança reivindicada ao meio. Também houve inventonas e espiões em autogestão, cheios de boas intenções.
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“A posteriori”, depois do apito final, todos farão as habituais interpretações retroactivas da história, com a consequente literatura de justificação dos revisionistas, mesmo que o crime acabe por triunfar. Mas no caso Dreyfus, toda a república se portou mal. Foi de 1895 a 1898-99 e ainda não aprendemos.
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O Estado está acima do cidadão, mas o Homem está acima do Estado. Fernando Pessoa sintetizou tudo neste lema.