Vivemos em pleno pós-guerra, felizmente sem guerra

Fui reler a Agenda de Lisboa, ou a Estratégia de Lisboa, aprovada pelo Conselho Europeu em Março de 2000. Dá mesmo vontade de rir este planeamentismo adocicado dos sustentabilistas. Deu tudo em raia, mas persistimos no mesmo erro de teoria.

Os gregos têm que parar de testar a paciência de seus credores. Eles receberão uma mensagem bem clara de que mais nenhum dinheiro entrará em Atenas até depois de eles decidirem onde querem que seu país esteja. Dentro da zona do euro ou fora”, disse à Dow Jones uma autoridade do G-20 que participa da reunião. Lido no “Estadão”, onde o nome de Portugal só aparece hoje por causa dos brasileiros que jogam no Benfica.

Esboça-se um sub-directório do eixo. Sarkozy convoca cimeira dos europeus do euro presentes no G20. A hierarquia dos potências parece deixar de fora os deseurados e os médios e pequenos Estados. O regresso ao piramidal talvez seja desespero.

O duplo ataque ao “Charlie Hebdo”, na net e através de um “cocktail Molotov”, é um triste sinal dos tempos de começo da perseguição dos franco-atiradores satíricos, especialmente de um que assume como “libre-penseur”. O riso, como dizia Bergson, sempre foi uma suprema forma de inteligência.

Assisto a debate sobre a Grécia e reparo que um dos ilustres comentadores, que diz ter andado nas ruas de Atenas, proclama que esta Grécia é uma amálgama, sem estratégia nacional. O qualificativo talvez não repare que mais de metade da actual União Europeia é mais recente que a Grécia, como Estado Independente, incluindo a Alemanha e a Itália, só para referirmos recentes invasores dos helénicos.

Mesmo não mudando os tempos, resta saber quais as razões que a razão publicada desconhece, para esta alteração anormal da vontade de um importante líder político cimeiro. Há muito por contar nestas altas esferas.

A Europa perde o sentido se deixar de ser uma democracia de muitas democracias. Um supra-estadualismo que tenha pés de barro de suspensões da democracia pode sinificar-nos, mas é letal. Porque perdemos a alma em nome da salvação das contas, mesmo que seja com ditaduras das finanças. E pior ainda é se usarem a táctica da vacina, como Kissinger quis aplicar ao Portugal do PREC. Nomeiem o Carlucci, já. E apoiem um qualquer Mário Soares.

Vivemos em pleno pós-guerra, felizmente sem guerra. Mas não queremos acordar. E prosseguem as procissões das cimeiras que parecem cada vez mais velórios daquele defunto que, um quarto de hora antes da certidão de óbito, ainda quer fingir que está vivo, ao estrebuchar.

A presente crise é apenas o começo de um demorado ajustamento aos sete mil milhões que fizeram desabar o Euromundo. Chamam-lhe emergentes, pintam-nos de BRIC e começam a ser um pedacinho iguais na luta contra a fome, a guerra e a doença. Por cá brincaram aos PIGS, mas todos hão-de compreender esta passagem do Estado de Bem-Estar ao Estado de Mal-Estar. Até os que inventaram o Warfare State.

Os chamados mercados padecem de etimológica histeria. Têm o útero na cabeça e não querem ir ao psicanalista. Um dia baixam, no outro, sobem, só porque o super-Mário, depois de uma noite sem dormir, deu ordens para que sim, através de um alento comprimido. E milhares de analistas de obra feita vão qualificando quantos milímetros a coisa cresceu ou decresceu. Especialmente neste dia de finados, onde só não se visitam os cemitérios porque o feriado foi ontem, por meras razões de hermenêutica teológica. Ainda não é para amanhã o dia de juízo final, nem vai haver ressurreição dos corpos.

A mentira do federalismo sem dor e os programas de governo plenos de ambiguidade e de eufemismos são o normal anormal desta anarquia ordenada, ou desordem bem organizada, do presente neofeudalismo da encruzilhada europeia. Onde já não há socialismo nem liberalismo, mas governos de esquerda com mentalidade de direita e temperamentos de direita pintados de esquerda. Entre Passos e Rajoy, o programa espanhol está apenas mais bem escrito. Mas nenhum sabe o que é bem ou o que é mal, como com Merkel ou Sarkozy, ficamos todos Papandreou.

Comments are closed.