Farpas de 18 de Janeiro de 2012

O pior da direita está no reaccionário e no jacobino que ela importa da esquerda, tal como o pior da esquerda está no exacto contrário que ela recicla como arrependido. Cada uma dessas correntes, filhas da mesmíssima mãe intolerante, acabou com a velha e respeitável dicotomia entre a honra sem inteligência e a inteligência sem honra, a que impediu o casamento de D. Maria Ii com D. Miguel, jurando a Carta. Gosto mais do centro excêntrico, tradicionalista e radical, pela Santa Liberdade. Estou farto de bonzos, endireitas e canhotos.

Ontem, no Parlamento, numa sessão à porta fechada, um dos chefes das nossas secretas fez declarações sob reserva. Hoje, o relato vem em todos os jornais. É o que se chama deontologia, a da respeitabilidade dos nossos parlamentares quanto a um sigilo de sagrado individual e de ética republicana. A de Kant. Do imperativo categórico. Do exemplo. Onde a conduta de cada deputado deveria transformar-se em máxima universal.

Apetece-me afrontar directamente o porta-voz da Igreja Católica e protestar: todos os feriados são civis, incluindo os civis que consagram valores religiosos, os que não são apenas dos fiéis de uma religião, mas de todos os cidadãos. Numa sociedade pós-secular a religião faz parte do espaço público, logo aquilo que é público é do público, desde o beneplácito régio, sem cesaropapismo, constantinismo, teocracia ou cobardia, como manda a Concordata e a constituição.

Todas as semanas temos um feriado religioso, que é o domingo, e não o sábado nem a sexta-feira. O dia de Natal já o era do sol antes de Cristo nascer. O da Imaculada Conceição podia ser o da coroação da Rainha de Portugal. E o do Corpo de Deus, era o da procissão onde havia as tradicionais rixas e golpes de Estado na primeira metade do século XIX. São quase todos sincréticos, nossos, até o de Todos os Santos, incluindo São Nunca Mais. Importa continuar a fazer unir o que anda disperso, contra a máxima pagã desse valor supremo que nos diz “time is money”.

Já repararam que a primeira vaga legiferante do governo provisório da I República foi a reposição de leis de D. José I e da regência de D. Pedro? Abyssus abyssum invocat?..

Os catolaicos que por aí dão ao cacete são directamente proporcionais aos laicobeatos que queriam enforcar o último rei nas tripas do último papa. Entre a forca e a guilhotina venha o diabo e escolha.

A verdade de um símbolo não está na descodificação erudita do mesmo, mas na realidade de ele ser parcela de algo maior, a individual comunhão interior com o que vai além de nós e nos mobiliza para a comunidade das coisas que se amam.

Dizem alguns que quem não se identifica com o decreto não é do povo, mas antinação. Dizem outros que os dissidentes devem ser internados em campos de trabalho para a reeducação. Alguns propagam mentiras. Outros processam os seguidores das heresias. Eu também acho que pensar é dizer não ao paradigma do pensamento dominante, principalmente quando ele quer ser o pensamento único. Com práticas de unicidade.

Comments are closed.