A liderança não é uma qualidade pessoal, mas antes a interacção do líder com determinadas situações sociais, pois as mesmas qualidades pessoais podem não servir para outras circunstâncias de tempo e de lugar. Barroso, um péssimo primeiro-ministro de Portugal, tornou-se num óptimo presidente da comissão europeia, tal como um bom autarca ou um bom professor podem dar uns péssimos ministro. Acresce que as lideranças políticas pouco têm a ver com lideranças futebolíticas ou até com lideranças do mundo dos negócios e que confundir os plano pode levar ao desespero de comparações, onde quem busca homens providenciais pode provocar uma rifa donde nos sai um Valle e Azevedo ou um Zé dos Bigodes. Assim, nesta encruzilhada de decadência, quando insensivelmente andamos em busca dos tais homens providenciais e carismáticos, quando criticamos o vazio de líderes, contribuímos para a eleição de Salazar num concurso televisivo ou criamos um saudosismo, onde voltam outras lideranças políticas fortes dos últimos trinta anos. Quase não reparamos que foi o pós-autoritarismo face ao avô tirano que gerou situações psicológicas de confiança face a outras personalidades, como foi a de Mário Soares, o pai bonacheirão da democracia que com as suas bochechas tranquilizantes nos livrou das tensões do PREC, sem recurso aos antidepressivos. E, em seguida, quando já estávamos mais calmos, procurámos uma liderança contraditória, a do tio Aníbal que, nos seus tempos áureos de construção do cavaquistão dos homens do sucesso, apareceu como o gestor implacável com alguns tiques de autoritário, típico de um tempo de “enrichez vous”, onde uma personalidade incorruptível não cuidava de escolher as mesmas qualidades nos seus ajudantes ministeriais, como agora se pode comprovar. De qualquer maneira, nesta sociedade, ainda com marcas pós-autoritárias, sobretudo face à manutenção dos subsistemas de medo,poucos compreendem que a ditadura foi um período de suspensão da política, onde o chefe governou a república como o pai governava a casa, como o patrão comanda a empresa, misturando a violência e a opressão com a coerção muda. Isto é, vivemos em paternalismo, essa forma de controlo de um país ou de um grupo, onde os que mandam tratam os dependentes como os pais tratam os filhos nos modelos de família tradicional. No plano político, equivale ao despotismo, quando o chefe político governa a república como o dono trata da casa. No caso concreto da gestão de empresas, quando o patrão trata os empregados apenas com piedade e condescendência, não admitindo a institucionalização dos conflitos nem o recurso à ideia de justiça, nomeadamente visando o estabelecimento de acordos e negociações entre empregadores e trabalhadores entendidos como categorias colocadas num plano de igualdade contratual. É então que emerge o déspota que, etimologicamente, significa o chefe da casa, em grego (oikos despote). Equivale ao dominus grego (o chefe da domus), donde vem o nosso dono. O radical potes origina em latim potens, potentis, donde vem potentia. O despote é aquele que tem omnipotência, plenos poderes sobre os que dele estão dependentes. Tal como o seu sucessor, o paterfamilias romano, com direito de vida ou de morte (ius vitae necisque) sobre os membros da família extensa que comanda. Equivale à ideia de patrão omnipotente ou de pai tirano. E a ideia regressa sempre que o chefe político trata de gerir o espaço político como se este fosse uma casa ou uma empresa, onde desaparecem os cidadãos, participantes na decisão política, e todos se transformam em súbditos ou dependentes. Degenerescência da política que esquece aquele dito de Plínio, dirigindo-se a Trajano, segundo o qual inventámos o príncipe, a política, para deixarmos de ter um dono. É evidente que muitos chefezinhos políticos de hoje ainda procuram disfarçar-se com velho modelo do despotisme éclairé, proposto pelos enciclopedistas e que tem como antecedente a ideia de governo da ciência de Francis Bacon. O tal modelo que foi também assumido pelos fisiocratas, quando estes distinguiam o desejáveldespotisme légale do mero despotisme arbitraire, conforme terminologia inventada por Mercier de la Rivière.
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